A QUESTÃO LICITATÓRIA DOS TÁXIS NO RIO DE JANEIRO

A tormentosa questão da licitação dos táxis do Município do Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras é um tema polêmico e exige bom senso jurídico em sua apreciação.

No Município do Rio de Janeiro há uma enorme preocupação pelo prejuízo que isso poderá acarretar a milhares de pessoas e suas respectivas famílias se, de fato, o processo em curso na 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital do Rio de Janeiro culminar com a cassação das atuais "permissões" (na verdade, AUTORIZAÇÕES).

Em verdade, tentam impor uma interpretação do texto constitucional que não condiz com a realidade fática, uma vez que estão, inadvertidamente, confundindo dois institutos jurídicos, da seara administrativista, distintos: "PERMISSÃO" e "AUTORIZAÇÃO".

 
O desconhecimento jurídico acerca desse assunto está levando muitos a agirem, inconscientemente, no sentido de acharem na licitação o caminho para conquistarem o direito de se tornarem "permissionários" (na verdade, "autorizatários") do serviço de táxi. Em verdade, ao contrário, afastaria definitivamente da praça a maioria dos que hoje estão exercendo a profissão ou já exerceram (e desejam retornar) por insuficiência de condições para disputarem uma concorrência pública, seja por falta de recursos financeiros, seja por limitações intelectuais, culturais e até mesmo físicas (ou seja, questões de saúde que impossibilitariam a muitos cumprir a determinação de rodar um mínimo de 12 horas diárias, conforme apregoam, preliminarmente, sobre as regras do serviço em caso de uma licitação).

É de conhecimento público que a praça é um segmento que reúne pessoas oriundas das mais diferentes camadas sociais e com a mais vasta desigualdade - seja cultural, financeira, etária, etc. O que acaba gerando para a opinião pública diversas apreciações sobre o serviço prestado, contudo, isso não é uma exclusividade brasileira, e tampouco enseja uma antipatia generalizada pelo serviço hoje prestado.

Os argumentos voltados para a necessidade de uma padronização do serviço para um melhor atendimento ao usuário, certamente, não passam por questões licitatórias, mas sim pela necessidade de um crivo maior pelo Poder Público ao conceder as AUTORIZAÇÕES, bem como, no incentivo e obrigatoriedade, como requisito para a rmanutenção da AUTORIZAÇÃO, de cursos periódicos de reciclagem e outros que denotariam aperfeiçoamento ao exercício profissional, gerando uma pontuação gradativa no registro do AUTORIZATÁRIO.

Hoje o que está sendo levantado no âmbito jurídico sobre a legalidade das atuais "PERMISSÕES" (destaco, em verdade, "AUTORIZAÇÕES") está pautado em uma descuidada e apressada interpretação do texto de nossa Constituição Federal de 1988.

Alegam, como muitos já tomaram conhecimento, a infringência por parte do Executivo Municipal ao preceito do artigo 175 da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

 

 

 

A norma constitucional refere-se às permissões qualificadas que, na verdade, revelam verdadeira concessão.

 

Dessa forma, em uma primeira análise, parece flagrante a irregularidade alardeada pelos defensores do processo licitatório, uma vez que pelo fato de se atribuir, impropriamente, ao "alvará" do serviço de táxi, em algumas cidades, como no Rio de Janeiro, o nome de "permissão", esta não reúne, na realidade, as inafastáveis características que a consubstanciam.

A atividade de táxi, de interesse coletivo mas não essencial, não é uma modalidade de prestação de serviço  inerente à Administração Pública e não compreende, hoje, qualquer especialização por parte de quem a exerce, bastando cumprir os triviais requisitos mínimos exigidos pelo órgão concedente.

Nessa linha, cabe salientar que a Constituição Federal de 1988 somente exige o procedimento licitatório para a delegação de serviços públicos a particulares quando sob o regime da permissão e concessão, o que não abarca o serviço autorizado para táxis, até mesmo por esse não configurar serviço público e não se tratar, na realidade, de uma permissão de serviço público, mas sim em uma AUTORIZAÇÃO, uma vez que não é um serviço essencial de transporte.

Delineando melhor essa questão se faz necessário enfrentar aqui alguns pontos importantes que, de certa forma, estão sendo pouco evidenciados nas discussões sobre o tema em análise.

O Poder Público quando se utiliza da modalidade de serviços autorizados o faz porque tais serviços não são essenciais à sua atividade primordial e tampouco são realizados em substituição a serviços típicos da sua essência e indispensáveis para a fruição da vida social, estando ausentes quaisquer pressupostos de especialização para a sua respectiva execução, como assim se depreende da autorização para o serviço de táxi.

A AUTORIZAÇÂO por se tratar de uma modalidade de delegação discricionária, em que se observam critérios de conveniência e oportunidade, não implica em processo licitatório, podendo, entretanto, o Poder Público, como já acima preliminarmente explanado, ter um crivo mais rigoroso para a escolha do melhor AUTORIZATÁRIO e manter uma constante seleção no quadro desses escolhidos.

Cabe salientar que renomados autores da área administrativista como a Professora Maria Silvia Zannela di Pietro e o também Professor Hely Lopes Meirelles coadunam na mesma linha de raciocínio considerando a atividade do táxi como uma atividade particular, somente tendo como intercessão com o serviço público o fato de atender interesses gerais. Nessa linha, pontua a doutrina que os serviços prestados o são apenas no interesse do taxista, ainda que beneficiem um grupo de pessoas, sendo estes préstimos de caráter meramente úteis e não essenciais.

 

Noutra análise, a perspectiva de uma licitação nos moldes preconizados pela Lei nº 8.666/93 que regulamentou o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988, instituindo normas para licitações e contratos da Administração Pública não parece adequada para regular o serviço de táxi, conforme se observa.

  

A Municipalidade exige para o desempenho do serviço de táxi na Cidade do Rio de Janeiro, nos dias de hoje, parâmetros que, em última análise, equalizam as condições mínimas necessárias para o cumprimento da atividade. Os carros devem atender a padrões mínimos de conforto como, por exemplo, possuir 4 (quatro) portas, ar condicionado, uma margem de tempo de vida útil, etc. Além disso, o ente municipal é quem regulamenta a questão dos preços dos trajetos aferidos por taxímetro cuja margem tarifária é estabelecida pela Secretaria Municipal de Transportes. Desta forma, a inexigibilidade da lei licitatória à hipótese é indiscutível, uma vez que se denotam inaplicáveis os pressupostos de melhor preço e melhores condições de prestação do serviço do ponto de vista técnico / objetivo, ante a uniformização dos critérios apresentados.

A melhor doutrina administrativista afirma que ocorre a inexigibilidade de licitação quando há  óbice jurídico de competição entre contratantes, quer pela natureza específica do negócio, quer pelos objetivos sociais visados pela Administração Pública.

O art. 25 da Lei nº 8.666/93 preceitua que é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição e as hipóteses nele previstas são de caráter meramente exemplificativo o que permite, a contrario sensu,  a adequação fática quando, somente, for verificada a hipótese de competibilidade segundo os critérios legais.

  

A impossibilidade de obtenção da melhor oferta em virtude do estabelecimento prévio do parâmetro tarifário, não obstante a possibilidade de participação de inúmeros interessados que possam apresentar veículos de idênticas características, enseja, como dito, a apontada inexigibilidade licitatória.

Ademais, há que se considerar o fato de que uma licitação nesse segmento de táxi geraria o ingresso na atividade de pessoas que embora satisfizessem os requisitos licitatórios técnico/objetivos, certamente, não prestariam o atendimento que a população anseia, o que nos faz questionar a razoabilidade da medida propugnada. É certo que inúmeras vezes os usuários optam pelo táxi para ganharem celeridade em seus deslocamentos pela cidade em meio ao trânsito caótico que hoje impera nas grandes e médias cidades brasileiras e, muitas vezes, a escolha pelo "carro de praça" é feita porque ali está um profissional que conhece os meandros, os subterfúgios possíveis para se desvencilhar dos engarrafamentos das vias principais e mais usuais e fazer com que seus passageiros, muitas vezes, médicos, advogados e pessoas com os mais diversos compromissos possam honrar seus horários sem o prejuízo de longos atrasos em decorrência da falta de fluidez urbana.

  

Por outro lado, não se pode afastar uma apreciação muito sensível ao fato dos atuais taxistas, com uma medida dessa natureza, terem a sua vida completamente colapsada, com prejuízos financeiros irrecuperáveis, muitas vezes, fruto de uma economia e investimento ao longo de vários anos de uma existência laboral para a aquisição do veículo, endividamento para a sempre crescente e custosa manutenção em virtude das condições de pavimentação e tráfego, bem como o desfazimento de um trabalho que constitui para a maioria esmagadora das famílias a única fonte de renda. Somado a isso teríamos também um impacto social de magnitude inimaginável, uma vez que não haveria como o mercado de trabalho absorver todos esses profissionais, mormente, em cidades como o Rio de Janeiro.

  

É imperioso que se tenha uma visão multifacetada dessa questão, observando, detidamente, os pontos de enorme relevância que gerariam um descompasso com os princípios constitucionalmente almejados que versam sobre a dignidade da pessoa humana, o bem comum e o direito ao trabalho.

  

Nessa toada, em nome da estabilidade social, ainda que já estivesse consolidada a hipótese do certame que contraria, frontalmente, a lógica do razoável, não se pode desprezar a aplicabilidade, in casu, da teoria do fato consumado às permissões (AUTORIZAÇÕES) já concedidas, considerando o tempo decorrido e a extemporaneidade no deslinde da questão jurídica em apreciação, assim evitando afronta à proporcionalidade, à justiça e aos meios discricionários utilizados pelo Poder Público Municipal no exercício de sua atividade administrativa para a consecução dos fins pretendidos.

  

Em conclusão, seguindo pela via de mão única que conduz ao bom direito e rogando por uma apreciação justa e equânime que devolva a paz a milhares de profissionais e as suas respectivas famílias, convergimos todos, de forma uníssona, em um pedido que ecoa por todo o Brasil pleiteando JUSTIÇA!

COLABORAÇÃO/FONTE: Lawyers Santos